Portas Fechadas

Passados 1.442 dias desde a inauguração encerro, hoje, as portas de meu comércio localizado na Rua das Américas, próximo à Av. Nove de Julho, na região central da cidade de São Paulo.

Enquanto termino de colocar as últimas caixas no carro ouço minha prima trancando as portas de ferro com chaves barulhentas a  balbuciar frustrada – desse mato não saía mesmo cachorro… demorou a ver.

Emoldurar quadros nunca foi minha paixão. Mas era uma alternativa aos negócios quando tudo o mais parecia extinguir-se durante o fatídico período pandêmico de 2019 a 2021. Não abri um negócio para enriquecer, abri para sobreviver e gerar uma renda rápida fazendo algo que eu sabia fazer, como cortar, colar, serrar, lixar, lustrar, embalar e enviar. Não vendia arte, mas não se pode negar que uma tela bem enquadrada, pequena ou grande, causa impactos de outra ordem.

Grandeza talvez tenha sido o que me faltou. Não sou afeito a fazer grandes coisas quando mesmo as pequenas já exigem demais. A mim me bastava o dia a dia, uma tela por vez, sem funcionários, eu, meu martelo, meus grampos, a imagem desbotada de Nossa Senhora sobre a mesa. Você precisa escalar para crescer, me diziam. Você precisa vender online… mas não havia tempo para o marketing, para as redes sociais, para fotos e filmes de efeito. Você precisa baixar os custos com materiais mais baratos. Mas não era possível. Uma cópia bem impressa de Van Gogh poderia ser o próprio Van Gogh em minhas mãos? O valor do trabalho é o valor da entrega, nem sempre visível, nem sempre correspondente ao saldo no banco. Passaram por mim Van Goghs, Renoirs, Monets em suas várias versões e tamanhos. Eram cópias sem tanto glamour, mas tratadas com muito respeito.

Em quatro anos aceitei poucas encomendas grandes e em todas me arrependi. O trabalho é manual, o cliente não entende. Quer prazo curto, preço baixo, qualidade mediana. Foi ficando cada vez mais dificil.

Nasci numa casa com quadros na parede. Nem muitos, nem poucos, réplicas em sua maioria. Apenas dois originais, de pintores desconhecidos como tantos por aí. Quando abri as portas de meu comércio de molduras revivi instantes em que contemplava à tôa as paredes sem entender muito bem o que via. Sem pensar que o tempo passaria.

Meu negócio deu-me algumas alegrias, mas muitos prejuízos. E desse mato em que me embrenhei de fato não saiu qualquer cachorro. Mas algumas Monalisas, Kandinskys, Rembrandts estão pendurados por aí, adornando paredes e cantos que nem suspeito, mas imagino, com suas molduras artesanais, lixadas e polidas, feitas sob medida para quem enxergou a possibilidade de buscar justo aqui, no centro de São Paulo, na Rua das Américas, próximo à Av. Nove de Julho, um pouco de beleza.

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